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Prepara TODOS 21 de dezembro de 2020

A Mestre Chatbot — Parte 3: Pra sentir com o outro

Nota do autor: se você perdeu, a Parte 1 está aqui e a Parte 2 aqui. Vanda, a chatbot mais diferente que Carol, Tita e Rocha já tinham visto, estava ajudando os três colegas a avançarem com um trabalho da escola. Ela tinha acabado de falar sobre curiosidade e estava projetando na tela dos três, em letras brilhantes, […]

Nota do autor: se você perdeu, a Parte 1 está aqui e a Parte 2 aqui.

Vanda, a chatbot mais diferente que Carol, Tita e Rocha já tinham visto, estava ajudando os três colegas a avançarem com um trabalho da escola. Ela tinha acabado de falar sobre curiosidade e estava projetando na tela dos três, em letras brilhantes, a segunda competência que eles deveriam desenvolver.

Empatia

— Ah, isso aí já vimos uma pá de vezes. É aquele negócio de se colocar no lugar do outro, né? — Rocha disse assim que viu a palavra na tela.

— Perfeito, garoto. Essa é uma maneira bem simples de entender empatia. Mas o que isso quer dizer? E por que precisamos falar disso agora?

Tita estava lutando com dois sentimentos. Por um lado, ainda não tinha comprado aquela cena de chatbot vaidosa com jeito de guru, mas por outro estava começando a notar que aquele assunto poderia mesmo ajudar no trabalho. Fora que a bandeira de entender o outro, de não-discriminação, era uma de suas causas de vida atuais. Provavelmente por isto, embora quisesse demonstrar desinteresse e não dar o braço a torcer para Vanda, sua fala saiu intensa e emocionada:

— Porque quando começou a pandemia ficamos falando sobre as pessoas terem que ficar em casa, aulas online, evitar aglomerações. Mas as realidades são muito diferentes. Nós podemos ter aula online, mas um monte de gente nem internet tem. Tem gente que não tem como ir pro trabalho se não for de ônibus. Tem homem que pirou porque teve que ficar em casa, não aguenta ouvir choro do filho pequeno e não é capaz de entender que precisa ajudar. Fora um monte de reportagens no início da pandemia falando dos desafios de trabalhar em casa, como se os desafios fossem os mesmos pra homens e mulheres, só que quase nunca tinha uma mulher entrevistada. Óbvio que quem fez a reportagem era homem, mas eles não têm lugar de fala pra dizer isso. A gente tem que se colocar no lugar do outro pra entender as coisas direito.

Vanda bateu palmas, agradecendo Tita não apenas pela fala, mas pela emoção que ela demonstrou. E seguiu:

— Ótimo. Rocha falou sobre se colocar no lugar do outro, Tita falou sobre lugar de fala. Vou deixar mais bonita a definição de empatia para vocês: empatia é sentir com o outro. Não é apenas ser simpático, ter pena ou ficar feliz pelo outro, isso é sentir pelo outro e não com o outro. Ser capaz de sentir com outras pessoas ajuda a identificar quais são realmente os problemas delas. E quando tiverem tempo, não agora porque quero vocês focados na minha linda pessoa, pesquisem sobre Brené Brown, tem vídeos dela que ilustram bem isso.

— Falar que a gente precisa sentir com o outro é fácil, mas como é que alguém faz isso? — foi Rocha quem verbalizou o desejo por algo mais concreto que, no fundo, os três estavam sentindo.

— A gente pratica. E tem duas coisinhas que vocês podem fazer que ajudam a agir com empatia. Sobre a primeira delas, vamos fazer uma pequena investigação. Busquem por citações de uma escritora francesa chamada Anaïs Nin.

Após alguns segundos eles tinham visto diversas citações, e foi Carol que identificou aquela que deveria ser o motivo do pedido da Vanda:

— Tem uma aqui que aparece direto: “Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos.

— Isso mesmo, Carol. E o que isso significa é… — Vanda não terminou a frase, esperando que um dos três terminasse por ela.

— Que a gente vê as coisas como nós somos? — Rocha arriscou, e fez aquela cara de quem sabe que vai levar uma resposta atravessada.

— Que vemos tudo através das nossas lentes, meu amor. Suas experiências, o ambiente em que vocês vivem, os valores e dinâmicas das suas famílias, da escola, tudo aquilo que trouxe cada um de vocês até aqui influencia como vocês enxergam as coisas. E, por causa disso, é muito difícil vocês não julgarem o que ouvem ou veem.

Tita novamente se manifestou, bastante inflamada: — Ah, na boa, tem coisa que não dá pra engolir. Não vem aqui me pedir pra defender quem acha que mulher não deve trabalhar ou quem diz que não é racista, mas não consegue aceitar uma pessoa negra com sucesso porque só enxerga negros como empregadas domésticas ou seguranças.

Vanda sabia que tinham chegado a um ponto crucial e que não podia de maneira alguma minimizar a emoção que tinha aflorado com a fala da Tita.

— Não estou pedindo pra defender nem defendendo ninguém, Tita. Acho até que, para racistas e preconceituosos em geral, é exatamente a dificuldade de enxergar o outro, de entender o outro, construída ao longo da vida pelo contexto e ambiente em que vivem, que cria para eles a sensação de que a maneira como agem seja natural. Preconceito racial se desenvolve com o tempo, as crianças aprendem a ser preconceituosas, elas não nascem preconceituosas. E, em muitos casos, e na sociedade brasileira isto é evidente, tem gente branca que acha que não é racista, mas foi acostumada a ver negros apenas como empregados, raramente viram negros em posições de sucesso que não atores, músicos ou esportistas, e estas pessoas não conseguem se colocar no lugar de uma pessoa negra que carrega, em si e em sua família e antepassados, anos e anos de opressão racial. E olhem vocês quem está falando aqui: eu, branca, crescida nesta mesma sociedade brasileira.

— Mas não dá pra aceitar isso. Nem achar que é natural.

— Não, Tita, não dá. O desafio para vocês, e para quem quiser criar novos e melhores futuros pro mundo, é mudar isso. E empatia ajuda a criar alternativas de diálogos entre pessoas, porque permite que se entenda o impacto no outro daquilo que falamos e fazemos. Sem irmos ao extremo do racismo, há outras coisas que podem parecer estranhas ou até absurdas pra vocês e serem normais para outros. Com a pandemia, por exemplo, o que cada um de vocês sentiu quando teve que ficar isolado? E o que vocês quiseram fazer assim que puderam sair? E imaginem o que outras pessoas devem ter sentido e como reagiram.

Foi a vez do Rocha falar:

— Mano, eu não acreditei quando vi, logo que relaxaram a quarentena, aquela quantidade de gente junta, em lojas, em bares. E meus pais dizendo que eram loucos, que o vírus ia voltar, que a gente ia ser obrigado a voltar pra quarentena. Pior que foi isso mesmo que aconteceu e agora estamos nessa de umas semanas fora e outras trancados em casa.

— E como você se sentiu, Rocha?

— Ah, eu me senti meio trouxa, sabe. Tipo fiquei em casa mó tempo e aí uns carinhas fazem besteira e eu tenho que ficar em casa de novo por culpa deles. É injusto isso, dá vontade de torcer pra que peguem o vírus só pra aprenderem.

— Sério, Rocha? — Carol não acreditou no que o amigo disse. — Coisa mais vingativa. E se eles não tivessem escolha, tipo tiveram que sair porque precisavam comprar algo e não tinha esquema de entrega onde viviam?

Vanda já estava satisfeita e, antes que Rocha pudesse dar sua opinião, ela interrompeu.

— Entenderam o que eu quis dizer sobre algumas pessoas acharem normais coisas que podem parecer absurdas pra vocês? O Rochinha aqui julgou a atitude de umas pessoas com base no seu ponto de vista. E a Carol julgou a vontade de vingança do Rocha com base no seu ponto de vista. Quem está certo? E precisa ter alguém certo? Pra desenvolver empatia, vocês precisam tentar entender e aceitar a perspectiva do outro. Entender o que a outra pessoa está sentindo, e sentir junto, como sentir a mesma raiva que o Rocha sente daqueles que foram se aglomerar, permite o diálogo entre vocês. Concordar ou não com a outra perspectiva vocês podem fazer depois, porque aí vocês estarão julgando. Mas vocês não podem julgar de cara, vocês primeiro precisam ouvir.

Vanda então materializou um quadro branco para anotar.

— Bem melhores estas canetas com cheirinho de fruta. Primeira dica pra agir com empatia: não julgar. Vocês precisam deixar o julgamento de fora para ouvir e ver os outros, sem comparar com as suas próprias experiências e valores. Tipo o que muitas pessoas fazem com os sapatos antes de entrar em casa. Não importa se vocês chegam de chinelo, tênis, ou um lindo scarpin Christian Louboutin, todos entram sem sapatos. Deixem o julgamento do lado de fora, como os sapatos, e aí vocês poderão entrar na casa e realmente ouvir o que as pessoas que moram ali pensam.

Enquanto falava, Vanda notou que Rocha estava acompanhando uma conversa no WhatsApp. Foi a deixa perfeita para introduzir a dica seguinte:

— Parece que a gente combinou esta parte, Rochinha. Porque enquanto eu falava, tua atenção estava em outro lugar. E essa é a segunda dica: vocês precisam estar presentes — e anotou a dica no quadro branco.

Rocha fechou o WhatsApp, nitidamente arrependido, e, pra tentar se redimir, achou que precisava dizer algo sobre o assunto.

— Estar presente, tipo assim, como quando a gente está ali, fisicamente mesmo?

Carol levou a mão à testa e moveu a cabeça para os lados, incrédula com o vexame do amigo. Vanda seguiu falando:

— É mais do que presença física, meu querido. E não tem nada deste negócio de meditação, de sentir a terra do chão com os pés e perceber o ar entrando e saindo do corpo enquanto vocês respiram. Estou falando de estarem 100% focados com quem vocês estiverem conversando.

— Mas isso é meio difícil de fazer numa conversa virtual — Tita considerou. — Até aqui, neste papo, enquanto você vai dizendo algumas coisas, a gente vai pesquisando os conceitos em sites, trocando opiniões. E quando entrevistamos alguém a gente tem que olhar o roteiro, anotar as respostas.

— E como é bom ser multitarefa, né? Não, queridos, não. Pra sentir com o outro, vocês precisam estar com o outro. Não dá pra estar só uma parte. Enquanto vocês viram o olho pra outra tela, aplicativo ou pro caderno pra pesquisar algo ou anotar, vocês perderam um movimento facial, um gesto involuntário da pessoa, uma demonstração sutil de emoção que pode ajudar a compreender melhor o que ela está sentindo.

— Mas como a gente faz pra anotar o que a pessoa está respondendo?

— Aposto que a criatividade de vocês pode sugerir várias maneiras de fazer isso, Rocha. Vocês podem gravar ou filmar, podem ter um de vocês falando e outro anotando. Até pra saber o que perguntar vocês precisam estar focados, porque nem sempre a pergunta seguinte é a que está no roteiro, pode ser uma nova pergunta inspirada pela resposta da pessoa à pergunta anterior.

Estava na hora de terminar.

— Muito bem, meus queridos, já chega por hoje. Agora vão pesquisar e entender quais problemas afligem as pessoas do seu bairro, e quando tiverem um bom material vamos conversar novamente.

— Mas como fazemos pra falar com você? — os três disseram quase que ao mesmo tempo.

— Quando estiverem prontos, é só me chamar no TikTok. Estou lá no @qualehatua.

O link para o perfil brilhou em letras cor de fogo na tela dos três e, em seguida, a janela do chatbot se fechou e Vanda não estava mais lá. Cansados, os três disseram boa noite uns aos outros, desligaram suas telas e apagaram as luzes.

(continua semana que vem, na Parte 4 de 6)

Gian Taralli é escritor, consultor e professor de empreendedorismo, criatividade e inovação. Autor do livro de mistério infanto-juvenil “A Menina em Pedaços” (à venda aqui). Co-fundador da Jornada DARE, EdTech que desenvolve competências empreendedoras para jovens e acelera projetos por meio de cursos, mentorias, oficinas e eventos interativos e colaborativos. Saiba mais em jornadadare.com.br

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